sábado, 12 de julho de 2014

Um conto de amor amargurante







Um conto de amor amargurante

Era em uma tarde comum de inverno, onde as folhas das árvores ainda caíam, onde os ventos gelados após a chuva ainda cortavam minha alma. E cá estou eu mais uma vez na terapia, ouvindo sempre, todos os dias ao meu redor, o desabafo de pessoas suicidas, que se arrependem de nunca terem conseguido, e sempre, em todos esses dias, eu escuto seus motivos patéticos para tentar comete-los, apenas observo o quanto eles choram, desperdiçam suas lágrimas para coisas tão fúteis. Aqueles cortes em seus pulsos, todos errados, pergunto-me se apenas queria chamar atenção, ou se realmente queriam se suicidar. Vermes hipócritas. Ah sim, eu esqueci de me apresentar. Meu nome é Tiago, dezessete anos,  um metro e sessenta e sete, cabelos curtos e comuns, totalmente despenteados e castanhos escuros, quase que avermelhados, pele branca, e olhos de um verde escuro, na minha opinião são feios, e mortos, um reflexo da minha alma angustiada. Faço todos os dias terapia por causa da minha depressão, que eu me lembro foram oito tentativas de suicídio. Mas antes de me julgarem, e pensarem em quanto sou um imbecil por tentar isso, apenas parem, calem suas bocas sujas, parem de ter malditos pensamentos hediondos e escutem, acompanhem-me.
Nessa tarde comum de inverno, eu acabara de chegar na terapia, aquele psiquiatra sorridente me cumprimentou, o mesmo procedimento padrão de sempre. Todos os vermes se sentaram, eu ficara apenas de pé pois queria pegar um pouco de chá que ofereciam para nós durante a terapia. Mas na porta de entrada, entra um garoto um tanto certinho, estava bem arrumado, camisa social branca, cabelos loiros e bem penteados para o lado, calça jeans ajustada em suas medidas, tênis esportista de marca famosa, e usava também um daqueles óculos grandes e redondos. Parecia  um maldito pastor.
“Legal, só me faltava essa, já não bastava estar rodeado de imbecis, tenho que ficar na mesma presença desse maldito pastor. O que ele veio fazer aqui? Veio pregar o quanto a vida dele é linda? Ou o quanto o seu Deus é bondoso e maravilhoso? O quanto ele é justo com os seus?” –Pensara eu logo que o vi.
O tempo se seguia, e estávamos todos sentados falando de seus problemas estúpidos, é claro, chegando a minha vez eu pedi que passassem, o pastor imundo estava sentado bem a minha frente, me encarando. Seu olhar penetrante, aqueles olhos castanhos claros me fitando, estavam me encomdando, de tal maneira que apenas conseguia pensar em chutar seu rosto até que ficasse todo desfigurado e irreconhecível.
Passou um tempo, e antes de chegar em sua vez eu me levanto.
 - Olha seu babaca! – Aponto para ele – Qual é o seu problema comigo? O que tem de errado comigo? Anda logo, me fala! Desde que chegou você está me encarando!
O garoto não respondeu, e continuou me encarando, encarando-o com raiva eu sigo para sua direção com a fúria de um guerreiro, mas então todos ao redor me impedem de avançar, eu me debato para que me soltem, e com sucesso, consigo chutar o rosto de um homem que me segurava. E seguindo a cena mais pessoas me seguravam, até que por fim me acalmei. Mas ainda estressado, decidi sair daquele lugar desagradável e pútrido. Onde não me sentia nada a vontade, ainda mais na presença daquele verme de cabelos loiros.
O dia se seguiu, e estava eu trancado em meu quarto escuro escutando minhas músicas, clássicos, Mozart, Beethoven, Chopin, Wagner e bebendo uma garrafa de vinho barato que comprei em um bar de esquina. Moonlight Sonata, era o que tocava naquele momento, e também uma de minhas favoritas, mas prefiro Danse Macabre, de Camille Saint Saens. Alguém bateu na porta, e com rapidez escondi o vinho debaixo da cama, e com isso disse para que entrasse.
Talvez nesse momento, o destino decidira me pregar uma peça, ou simplesmente sua atitude miserável e impactante de agir que me surpreendera naquele momento. Bem em minha frente, na porta do meu quarto, exatamente em minha frente lá está ele, o pastor imundo, apenas sua respiração me irritava, e aqueles olhos castanhos claros que me encaravam de maneira curiosa e inocente, deixando-me inquieto e impulsivo.
- Por favor, não venho aqui para fazer alarde, ou qualquer tipo de perturbação.
Sua voz era calma, e macia, e vendo sua expressão um tanto que assustada, percebo então que meus punhos estão cerrados.
- O que veio fazer aqui então? Veio trazer a palavra de Deus em minha vida? E como soube onde moro? Quem lhe deu essa informação? – respondo de maneira agressiva.
- Não se acanhe meu jovem. Quem me deu a informação é irrelevante, e aliás venho em missão de paz –Diz ele fazendo o sinal de saudação vulcano com a mão. – Quero me desculpar pelo ocorrido hoje mais cedo. Não deveria tê-lo encarado. Aliás, meu nome é Tomas. É um prazer conhece-lo.
- Sem formalidades! Por quê me encarou?
- Bom, você me parecia fascinante. Diferente de todos que estavam lá, todos eram tão... comuns...
- Ata, claro. Quer beber? – Digo tirando de baixo da cama a garrafa de vinho pela metade.
- Tudo bem, só um pouco por favor.
Nos sentamos em minha cama, um ao lado do outro. Levamos a garrafa de vinho aos nossos lábios e conversávamos sobre todo o tipo de coisa, aquele garoto, não era realmente como os outros, nos damos muito bem, o que me deixou impressionado. Me dizia como era sua relação com a família, e o quanto a vida dele era um lixo, seu pai era um drogado e vagabundo, apenas aparecia em sua casa para furtar o pouco dinheiro que sua mãe ganhava como empregada doméstica e cuidando de crianças em casas luxuosas, seu salário era pouco menos que um salário mínimo, mal dava para comprar comida, e as roupas que aquele garoto tinha, eram todas ganhas das donas das casas em que sua mãe trabalhava. Seus pensamentos sobre a sociedade eram incríveis, aquele idiota pensava que a sociedade poderia melhorar ainda, um pobre rapaz otimista, e em meio ao nosso debate, sobre a desgraça social em qual vivíamos, de seus lábios foram proferidas a pergunta que menos gosto.
“Qual era a minha relação com a minha família”.
Pensei em várias formas em lhe dizer que não queria responder sua pergunta, mas por sorte meu celular tocou, quando o pego vejo que é uma mensagem de minha namorada Camila, dizia para que eu a encontrasse na praça perto da escola infantil que ficava próximo a sua casa. Disse ao garoto que precisava sair, e junto a ele o acompanhei até a esquina onde nos separamos.
O caminho era um tanto longo, cheio de ruas vazias, e as vezes cheias de drogados nas calçadas usando todo tipo de droga, tal cenário me faz ter ânsia de vômito e cada vez mais querer o fim dessa sociedade repugnante e decadente. Mais além, a vejo sentada no balanço, rodeada de areia entre as árvores, com seu traje mais usado, e que caía tão bem em seu corpo cuidadosamente esculpido, uma camisa preta com decote, sem desenho, um shorts jeans curto e surrado, usava também uma meia calça preta seguida de um all star xadrez, seus longos cabelos cor cereja desciam sobre seu ombro, escurecendo seu rosto com as sombras,  e em suas mãos, vejo seus dedos com as unhas pintadas de vermelho seus dedos escrevendo mais uma mensagem. Ao chegar perto vejo-a com manchas em seu rosto, manchas de lágrimas, e estava tonta.
- Camila, o que aconteceu?
Seus dedos pálidos e frios mais uma vez escreviam uma mensagem, e levantando a tela do celular pude ler o que se estava escrito.
“Meu pai.”
Olhei então em seus braços, e não havia nada, eu achei que estava mais uma vez drogada, mas quando a abracei, ela se contraiu de dor.  Fui até suas costas, e lentamente subi sua camisa, e deparei-me com marcas de pancadas, pancadas extremamente fortes. Neste momento senti que meu ódio subia, e estava mais uma vez tendo um ataque de fúria, e rapidamente Camila tocou minha cintura de maneira terna e sem eu esboçar alguma reação, logo me beijou nos lábios. Sentir o toque, o gosto adocicado de seus lábios pressionados aos meus fez com que a fúria se dissipasse aos poucos, meu coração, agora pulsava rapidamente, mas não por raiva, e sim por seu toque delicado sobre mim. Sentia-me um inútil neste momento, ali, em pé, abraçado com a garota que amo, eu me sentia fraco, debilitado, porque não podia, de maneira alguma confrontar seu pai mais uma vez, da mesma forma que o confrontei fazendo-o que me ameaçasse de morte com uma arma apontada em minha cabeça, e arrisco-me todos os dias para ver aquela baixinha, para tocá-la e saber que ela ainda está viva. Infelizmente o tempo voa, enquanto estamos abraçados, e apenas eu falando, Camila falava pouco, e sempre que falava era por mensagem, a razão pela qual se comunica dessa forma, é pelo fato dela ser muda a poucos anos, devido a um acidente que sofreu.
Nos despedimos com um ultimo delicado beijo, e então vou embora.
É manhã de domingo, e eu acordo com a campainha tocando. Desço rapidamente as escadas para atender, vestindo apenas uma bermuda, eu acabo escorregando no tapete da sala e caindo no chão, gritando bem alto devido ao impacto de meu corpo no chão frio. Abro a porta e lá está ele, o garoto da terapia, Tomas. Usando uma camisa branca sem mangas, bermuda, e mais uma vez, seus tenis esportista, seu corpo estava um pouco suado, e reparando bem, era até bem malhado. Agora que estou com menos raiva desse ser, observando-o, vejo como o seu rosto é bem desenhado, as maçãs do rosto não são tão evidentes, mas acabam ficando assim que sorri quando me vê, sua pele queimada de sol reflete a luz que toca em seu corpo suado, e seus braços são bem definidos, deixando amostra, cada detalhe de seus músculos.
- Cara, você sabe que horas são? –Falo com voz sonolenta.
- Sei sim, são exatamente 08:38 da manhã.  –Responde sorrindo.
- E o que diabos está fazendo aqui? Você não tem casa não?
- Tenho sim, mas sempre venho correr aqui por perto pela manhã. Decidi passar aqui para ver se queria correr comigo.
- E eu tenho cara de quem corre garoto?
- Não, mas hoje seria um bom dia para começar!
- Tudo bem. Entra aí, e espere eu me vestir.
Subimos para o meu quarto, Tomas pergunta onde estão meus pais e eu lhe respondo que devem ter saído para comprar alguma coisa no mercado. Ao entrarmos em meu quarto coloco uma camisa branca sem mangas, como a que Tomas usava e então coloco um tênis que jamais imaginei que usaria em toda a minha vida melancólica, os tênis que ganhara de aniversário de minha tia, os únicos tênis esportistas que tinha e ainda era de cor prata.
Ao sairmos para correr estava me sentindo um grande palhaço, me sentia um alienígena por usar algo tão ridículo em meus pés, Tomas me disse para ficar despreocupado pois ninguém notaria os meus tênis, e logo perguntei o porque, e imediatamente ele me disse que a primeira coisa que iriam notar seria a minha bermuda com estampa de flores havaianas. Agora sim, me senti um completo palhaço. Ao olhar para o céu naquela manhã me senti imediatamente revigorado, me senti bem, como um elfo correndo por sua liberdade em uma planície de desejos não realizados, e ao meu lado  um shamã destemido, que me revigorava por completo. Por tudo o que é mais sagrado para mim, que pensamentos são esses?
Depois de corrermos por vários lugares, que jamais vira ou pensei de alguma forma passar por eles ainda mais em uma manhã de domingo, fomos tomar café da manhã em uma praça de alimentação de um supermercado, conversamos muito, de diversos assuntos, e a maneira como Tomas dominava cada assunto que discutíamos era incrível, a maneira como se abria comigo era esplêndida, perguntava-me porque fazia isso, não há muito tempo que nos conhecíamos.
A partir disso, vários dias se passaram, e nos encontramos cada vez mais, e como consequência, me encontrava cada vez menos com Camila, talvez ela nem ligasse para isso. Tomas era um garoto fantástico, principalmente quando o assunto era literatura, aquele garoto já leu tantos livros, me falava de tantos autores que chegava a me assustar pela quantidade de informações que coubera em sua memória, as vezes, recitava pequenos versos de poemas, vários deles eu conhecia, sabia como identificar os autores, com isso o via de outra forma, não mais como aquele garoto patético que via esperanças em uma humanidade decadente, mas o via como alguém culto e bonito, e ao falar comigo, me enfeitiçava com sua voz e seus olhos penetrantes, seus lábios finos e simétricos eram de tal forma hipnotizantes, quase a todo momento sentia plena vontade de beija-los. Mas não podia, de forma alguma poderia trair Camila, eu a amo, e com ela eu quero poder passar o resto de minha vida, jamais poderia deixa-la ir embora, não como todas as outras pessoas foram.
Em um dia, enquanto Tomas e eu cabulamos a terapia, estávamos em uma praça, e como sempre, sua voz me encantava como um coro de anjos. Sua imagem era linda, usava uma camisa com mangas longas pretas, uma calça jeans clara, e usava um tênis all star, talvez estivesse usando por minha causa, por estar sempre calçando os mesmos tênis velhos. Então, em um momento de silencio, quando Tomas se sentara ao meu lado, estávamos embaixo de uma árvore, nos encarando sem dizer absolutamente nada, sem emitir algum tipo de som,  Tomas me surpreendera com um doce beijo na boca. O toque de seus lábios macios aos meus, era de alguma forma, como tocar os lábios ao fruto proibido, e com isso, não me aguentei, e correspondi seu beijo, pressionando ainda mais os meus lábios aos dele, e lentamente, Tomas abre a sua boca, e sinto o toque de nossas línguas, bailando com uma sinfonia que apenas nós dois ouvíamos, finalmente, eu alcancei o meu desejo proibido, sentia naquele momento um frio descomunal em meu estômago, seu gosto, seu toque sobre mim, pressionando cada parte de meu corpo, me conduzia a sempre a querer mais. Eu sei, não deveria estar fazendo isso, eu tinha, não, eu tenho uma namorada, mas todos os desejos mais proibidos que tinha sobre Tomas, não me permite parar. E naquela tarde enquanto cabulamos a terapia, não me sentia o mesmo...
Após aquele dia, Tomas e eu nos encontramos cada vez mais, e definitivamente não éramos mais apenas amigos. De fato, mesmo eu sabendo que isso era errado, nós nos tornamos amantes, somos agora fugitivos da sociedade hipócrita e preconceituosa, como dois gauleses fugindo de uma morte certa. Nossos encontros as escuras, quase sempre nos beijávamos e nos tocávamos, aquele calafrio que eu sentia por estar fazendo algo errado era de alguma maneira prazerosa a mim. Seu belo corpo, era como uma escultura dos deuses, delicadamente lapidada para mim, e sua voz me deixava calmo e feliz, com sentimentos nostálgicos todas as vezes que ele dizia aquelas palavras, “eu te amo”, e eu o correspondia, só não sabia se era com sinceridade, ou por puro impulso de meus desejos carnais. Eu sou um monstro, por estar enganando Camila, por estar traindo-a com esse garoto, mas eu não consigo parar, o sentimento de culpa me entristece, mas os meus desejos me impulsionam a fazer mais, a querer mais aquele garoto apenas para mim.
E foi com tais pensamentos que acabei cometendo mais um dos piores erros da minha vida. Que começara, no dia que correspondi o beijo de Tomas, eu cavei não a minha própria cova, mas estava e ainda cavando a cova de Camila.
Em uma noite, enquanto eu saía de uma lanchonete com Tomas, Camila me encontrou. Tomas e eu estávamos abraçados, e tínhamos acabado de dar um beijo sem língua. Os olhos de Camila estavam fixos em nós, e seu rosto quase encharcados de lágrimas, e mais uma vez eu sentia aquela gelo em meu estômago, sentia-me tão culpado... Minha nossa, o que foi que eu me deixei fazer? Camila logo sai em disparada pelas ruas escuras, e eu sigo atrás dela deixando Tomas sozinho sob a luz pálida da lua, corro enfim por entre carros e as construções cinzentas dessa cidade imunda, os cabelos cor de cereja de Camila balançavam ao vento de maneira tenebrosa e linda, aquilo me encantava, e ela estava a ir embora, e eu querendo alcançá-la. E para quê? O que direi a ela quando conseguir me aproximar? Mas de qualquer forma eu não poderia deixá-la ir para sua casa, pois sabia o que iria acontecer, eu sabia, o que ela iria fazer. Mas o universo não estava ao meu lado, e quando finalmente pude alcançá-la, ela atravessou os meus limites, fazendo-me imediatamente parar com medo, mas ainda assim, esse medo faz com que eu zele por minha vida insignificante, e por isso paro, vendo-a seguir seu caminho, e por fim sumir em meio a escuridão das esquinas.
O tempo passou enquanto ainda estava vendo minha fronteira entre salvar a vida de minha amada, e de minha morte certa. Mas ao lembrar de tudo o que ela passou, todas as vezes que foi espancada e estuprada por seu pai, todas as vezes que tive que levar comida escondida para ela e a entregar em seu quarto com a janela cheia de grades, pois seu maldito pai a deixava sem comer por vários dias e várias noites. Ficar ali parado, chorando como um verme infeliz me fez lembrar do dia em que não aguentei mais vê-la sendo espancada, e imediatamente me coloquei entre um soco de seu pai e minha amada, e então, por conta disso, logo uma arma foi colocada na minha cabeça, nesse dia, eu não temi a morte, e decidi aceitar a morte como minha amiga. A adrenalina me impulsionou, me empurrou por entre as ruas atrás de minha amada, que agora estava com o coração quebrado, estilhaçado, com a alma amargurada e totalmente retalhada.
Ao chegar em sua casa, estava tudo escuro, caminhando entre os poucos móveis velhos e empoeirados, sigo para o seu quarto, chegando em meu destino, eu morri. Fiquei por alguns minutos  contemplando o corpo imóvel de Camila, sua pele estava mais pálida, e gelada, eu caí sobre seu corpo e chorei como nunca havia chorado antes, lentamente, enquanto minha angústia me tomava, as imagens dos motivos das minhas tentativas de suicídio apareciam em minha mente como uma torrente de lembranças. A imagem de meus pais mortos, lembrar que moro com meus tios que se quer sabem meu nome, tentar tirar de estranhos o amor dos pais que sentia falta, ver minha primeira ex namorada ser assassinada em minha frente por covardia minha, e agora, ver o corpo gélido de Camila em minha frente. As lágrimas caem molhando sua camisa do Ramones branca, e por um ultimo instante, toco seus lábios frios e doces como sempre eram, e tocando-os, sinto uma respiração bem leve. Coloco as mãos em seus pulsos, e lentamente sinto seu coração pulsar, olho em volta de seu quarto, e em cima de seu colchão velho estão remédios de todos os tipos, vários deles são soníferos, e com isso, deduzi que ela ainda poderia ser salva.
Saio pelas ruas com Camila em meu colo, com dificuldade eu caminho, com dificuldade tento correr para salvar sua vida que está por um fio, grito por socorro com agonia, grito até quase ficar rouco, um estranho parou com seu carro a tomando-a de meus braços e a levou para dentro do carro, e ainda chorando vou com ela .
No hospital, imediatamente os médicos a recebem, e explico as enfermeiras o que havia acontecido, contei toda a verdade, desde como Camila era e agia, e até por fim ela descobrir meu caso com Tomas. A enfermeira me fulminou com o olhar, e me senti completamente estúpido. Até que Tomas apareceu e ficou ao meu lado na sala de espera, ele me abraçou, me confortou, até o momento que o médico chegou.
- Você é o namorado da garota que acabou de chegar? – Pergunta o médico.
- Sim, sou eu. Ela está bem? – Pergunto levantando-me da cadeira.
- Sim, ela está estável. É uma sorte você tê-la trazido aqui, caso contrário ela já estaria morta.
- Ah, isso é ótimo. – Imediatamente sorri sentindo-me aliviado. Mas ao olhar para a expressão do médico, percebo que aquilo não era tudo.
- Doutor, isso não é tudo, certo? Tem algo mais que você quer falar? Ande logo, fale!
- Sim, tem algo mais. Não garanto se vão ser boas notícias para você. Mas... A garota está em coma, e ainda não há como saber se ela vai acordar. Sinto muito. –Ao terminar de dizer essas palavras, senti o mundo ser destruído a minha volta, a silhueta do médico sumindo por entre as pessoas no hospital era deprimente.
Dias depois eu acabei me tornando cada vez mais sombrio, cada vez mais triste e melancólico. Afastei-me de tudo, e meu quarto era meu novo mundo, Tomas me visitava raramente, e em todas as vezes  que nos víamos, apenas brigávamos por ele querer me animar e eu apenas querer ficar deprimido em meu quarto ouvindo músicas melancólicas. Camila acordou do coma, mas houve um efeito colateral depois de tanto tempo dormindo, todas as suas memórias foram apagadas, não há indício nenhum em sua mente sobre a minha presença em sua vida. Seu pai a levou embora, por uma denuncia de maus tratos a ela, decidiu fugir da cidade, e nunca mais a vi, o que será dela agora? Ela vai sofrer novamente, e não há ninguém que cuidará de seus ferimentos, não vai haver ninguém que cuidará de suas feridas abertas, e de suas novas feridas. Tentei sair com Tomas mais vezes, me entristece ter que dizer que tudo aquilo que ele sentia por mim acabou, dói me dizer, que ele me deixou, mas eu mereço esta solidão novamente, foi com ela que eu nasci, e vai ser com ela, que ainda irei morrer, e sozinho eu cairei no abismo cheio de trevas ao qual sempre esperei. Não há felicidade em minha vida, ah, como fui, como sou, e como sempre serei um tolo, meus erros me amaldiçoaram, e minha maldição tenebrosa está me fazendo perecer enquanto ainda procuro a felicidade nos cantos mais remotos de minha mente, e em meu mundo de quatro paredes, aprofundei-me na fumaça entoxicante, deixando-me estéril, levando-me a um sono prolongado ouvindo médicos e enfermeiras dizendo que ainda estou bem, e ouvindo as máquinas fazendo seus sons perturbadores me lembrar, que mesmo neste sono prolongado estarei vivo, e ao acordar, mantenho esperanças de que não irei lembrar de mais nada.

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